quinta-feira, julho 13, 2006

Eleitores que corrompem

* Este artigo foi publicado no Jornal de Hoje

A culpa de um de nossos maiores problemas políticos, a corrupção, por vezes é apontada como sendo de inteira responsabilidade das próprias autoridades políticas. A princípio, essa idéia aparenta ser bastante lógica e a população geralmente recorre a esse pensamento para proferir críticas aos políticos brasileiros.

O que poucos sabem ou admitem é a existência de uma relação corrupta de interdependência entre o povo e o poder político. Trata-se de um processo onde uma parcela do próprio eleitorado corrompe as autoridades usando pressão eleitoral, criando assim, dentro dessa relação, uma norma a qual as autoridades não podem desobedecer sem serem punidas nas próximas eleições, quando provavelmente não obterão sucesso.

Fiquei sabendo de um caso que acontecia frequentemente numa cidade do interior do Estado e provavelmente talvez ainda ocorra. Quase que diariamente, uma fila de pessoas se formava em frente à residência da então prefeita. Essas pessoas surgiam pedindo dinheiro para o pagamento de contas de água e de luz, remédios, entre outros pedidos variados. A prefeita sabe que se não der o dinheiro, perde votos e talvez nunca mais tenha sucesso político novamente. O boato que ecoa pelo resto da população dessa cidade é de que o dinheiro que paga essas contas não vem do bolso da prefeita, mas sim do erário público. Certamente, o fato de pagar a conta de dezenas ou centenas de pessoas por mês com o próprio dinheiro causaria um grande prejuízo pessoal para alguém que recebe o salário de um cargo eleitoral no interior do Estado. Fico longe de duvidar que comportamento semelhante talvez ocorra em várias outras cidades do Estado ou até mesmo na capital. Não tenho provas, mas meu objetivo aqui não é denunciar. Desejo apenas exemplificar a ajuda do eleitorado na perpetuação da corrupção política. Vejam que situação constrangedora para um país: mesmo que suba ao poder uma pessoa de comportamento intocável e plenamente honesta, a vida política desse cidadão estará seriamente comprometida caso ele não roube.

Sendo assim, o fim desse tipo de prática dentro de um país deve ser procurado não só entre os políticos. Citando o articulista Stephen Kanitz, “não serão intervenções cirúrgicas (leia-se CPIs), nem remédios potentes (leia-se códigos de ética), que irão resolver o problema da corrupção no Brasil”. Se o próprio povo brasileiro é corrompido e, como visto aqui, corrompe os outros, qual o direito que esse povo tem de reclamar de atitudes semelhantes, praticadas por seus governantes? Na verdade, tem todo o direito. Mas é uma reclamação bem incoerente.

Corrupção sempre existirá. Ela existe até nos países considerados mais honestos, mesmo que seja em menor escala. A diferença entre esses países mais honestos e o Brasil não está nos genes “mais evoluídos” ou “mais honestos” deles. A diferença é investimento em auditoria e fiscalização. Ainda lembrando Kanitz, precisamos da vigilância de um poderoso sistema imunológico que combata a infecção no nascedouro.

Talvez com um maior número de fiscais e auditores no Brasil, seria bem mais difícil corromper os poucos profissionais existentes nessa área. E os pequenos desvios de recursos públicos que acontecem no interior do Rio Grande do Norte ou no Congresso Nacional seriam evitados, impedidos antes de adquirirem uma proporção de milhões de reais, como é o que acontece com maior freqüência atualmente.

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