quarta-feira, janeiro 11, 2023

Não é no Brasil

Com base no sociólogo Mark Granovetter (1978), podemos dizer que o comportamento violento de indivíduos durante algumas manifestações pode ser explicado de acordo com a quantidade de outros indivíduos do grupo já engajados numa ação violenta.

Explico melhor com um exemplo: numa turba de revoltados em frente a uma empresa, a quebradeira começa quando o primeiro atirar a primeira pedra. Ao ver o mais revoltado jogando a pedra, aqueles 20 mais impacientes, mas nem tanto quanto o primeiro, unem-se a ele. E ao ver mais de 20 pessoas engajadas na ação de quebrar vidraças, outras 20 ou 30 também se unem e por aí vai. É como se as pessoas mais acanhadas criassem coragem ao ver muita gente participando da ação.

A tendência é aumentar até atingir um equilíbrio. Logo, há um momento em que a conformidade cessa, pois nem todos do protesto estão lá para destruir propriedade alheia e nem estão tão revoltados assim. Portanto, vamos supor que, de mil manifestantes, 150 mandaram ver nas janelas e nas portas de vidro da empresa hipotética.

Embora seja questionável se ações violentas gerem resultados favoráveis aos manifestantes (embora a finalidade de alguns seja a própria violência), é mais certo que essas ações possam ser usadas para manipular a opinião pública, generalizando de modo simplista e atribuindo a todos os mil a culpa pela violência de apenas 150.

Algumas pessoas utilizam essa estratégia da generalização dos inimigos por um motivo muito simples: funciona. Funcionou muito bem na Alemanha nas décadas de 1930 e 1940 e funciona até hoje no mundo inteiro em diversas ocasiões. Exemplo: existem países (aqui no Brasil não) nos quais as pessoas que se manifestam pacificamente pedindo democracia plena e liberdade de expressão são rotuladas como "criminosas", "genocidas" ou "terroristas" por políticos, jornalistas e até mesmo por alguns juízes, os quais simplesmente não gostam do lado político delas. É interessante como alguns conceitos mudam de significado conforme o ódio ao outro, embora isso crie a necessidade de uma nova classificação para, por exemplo, quem explode um ônibus cheio de inocentes e para quem sistematicamente planeja e executa a destruição de um povo.

Chegamos à conclusão de que, nesses países onde os direitos e liberdades individuais não são respeitados, não há nenhuma necessidade de que o comportamento descrito pelo modelo do Granovetter seja observado durante o início de uma violência num protesto. É tudo uma questão teatral. Basta que um pequeno grupo se faça ser confundido como integrante da multidão e que inicie a violência com o objetivo de jogar a culpa sobre os mil manifestantes legítimos e pacíficos. Mesmo que nenhum dos reais manifestantes una-se à turba violenta, talvez apenas esse mero ardil seja o suficiente para gerar aqueles vídeos e fotos acompanhados com aquelas manchetes marotas distorcendo a realidade.

Logo, não precisam de muito para começarem a perseguir adversários políticos, inclusive juridicamente, em nível nacional, com prisões, inquéritos e tudo o mais, a despeito do fato de que 90% desses adversários não tenham cometido nem uma infração de trânsito.

Ou seja, por causa de 150 baderneiros marotos e de uma manchetezinha esperta, milhões de pessoas começam a ser enquadradas como potenciais criminosas terroristas e stalinistas ("ou melhor, stalinistas não"); e passam a ser tratadas como tal, mais ou menos como no filme Minority Report, onde os cidadãos — por meio de um recurso capaz de ver o futuro — são presos antes de cometerem crimes. Eu disse "mais ou menos", pois, no filme, as pessoas presas eram possíveis criminosas de verdade. Já nesses outros países o crime não é bem um crime de verdade: é pensar diferente.

Assim, descobrimos que o papo de "manifestantes terroristas" é apenas uma desculpa, um rótulo forjado para justificar o autoritarismo seletivo, assim como ocorre em qualquer regime autoritário onde a democracia e nada é a mesma coisa. Quem mandou ter opinião própria, seu cidadão subversivo? “A felicidade é obrigatória. Não ser feliz é um ato de traição”, como nos lembra o jogo Paranoia, que nos leva a um mundo que mistura humor com distopia orwelliana.

Tenho certeza de que muitos de nós, quando deparamos com o horror do Holocausto pela primeira vez, perguntamos como é que a Alemanha deixou-se entrar naquela espiral de tirania, ódio, violência e ignorância. E, infelizmente, tenho certeza de que muitos que hoje fazem parte de uma espiral equivalente — de tirania, censura, generalizações, preconceitos, ódios e campos de concentração — também um dia se perguntaram como os alemães deixaram-se levar pelo comportamento irracional. É engraçado como eles mesmos são a resposta para o próprio questionamento, mas, não sei porquê, não dá muita vontade de rir.

Notamos, portanto, que nesses países antidemocráticos, o modelo de Granovetter parece descrever mais o comportamento violento (perseguições judiciais e midiáticas) que cresce a cada dia contra um tipo de pensamento político do que a quebradeira desencadeada por uma pedra atirada numa janela. O maior problema desse caso específico (que não ocorre no Brasil, claro que não) é que os danos desse tipo de perseguição irracional contra adversários políticos - que não respeita as leis mais básicas de um Estado Democrático de Direito, impondo censura a jornalistas e prisões arbitrárias até para crianças inocentes - são bem maiores para um país do que o prejuízo de umas janelas quebradas. Tomara que o Brasil nunca passe por isso.

Não é no Brasil

Com base no sociólogo Mark Granovetter (1978), podemos dizer que o comportamento violento de indivíduos durante algumas manifestações pode ...