Ultimamente, o
lobby para a descriminalização do aborto e para a legalização da venda de
drogas – especialmente a maconha – anda ocupando boa parte da agenda política
de certos movimentos sociais e do debate público em geral. Apesar de serem duas
demandas distintas, ambas se utilizam de discursos que, independente da
validade de seus argumentos, obedecem a uma lógica do pessimismo e do desespero,
ainda que possamos questionar até que ponto os próprios defensores desse lobby
acreditam em suas próprias palavras ou se é apenas uma racionalização
(encenação) para ludibriar os outros e validar suas intenções “libertárias”.
Em seus
discursos, os lobistas demonstram sua total descrença nos métodos tradicionais de
lidar com tais temas, alegando que esses métodos não são eficazes ou apresentam
problemas. “Já que as mulheres estão realizando abortos clandestinos, vamos
ajuda-las e descriminalizar a morte de seus filhos não nascidos em clínicas
autorizadas”, diz uns. “Já que todo mundo está usando drogas ilícitas, vamos
legalizar logo essas substâncias, vendendo elas em farmácias. A repressão ao
narcotráfico não funcionou. É uma guerra perdida. A legalização é a solução
para reduzir o crime”, dizem outros.
Estamos numa época
em que se uma coisa tem um defeito, devemos descarta-la no lugar de consertá-la.
Fazemos isso, seja com objetos seja com pessoas. Para alguns usarem esse mesmo
pensamento em relação às leis, aos valores e à moral tradicional, é só um passo.
No entanto, é
interessante como essa insistente descrença nas leis vigentes não serve para
alimentar um mínimo de ceticismo a respeito de seus próprios projetos
mirabolantes de descriminalização. Mas o pior de tudo é que, mesmo optando pelo
descarte de uma ou outra lei, no lugar de se criar soluções alternativas e
originais, se limitam a seguir a modinha da atualidade: liberar geral. É a
orientação anti-proibicionista como solução para tudo.
No caso do
aborto, a argumentação realmente parece ter uma preocupação legitima. As
mulheres que desejarem abortar seus filhos poderão fazê-lo em hospitais e
clínicas autorizadas no lugar de submeter-se a clínicas clandestinas onde as
chances de algo dar errado são bem maiores. Nesse sentido, legalizar o aborto
seria benéfico para essas mulheres. No entanto, essa solução – obviamente
imoral – não parece ser a melhor para resolver o fato triste de que muitas
mulheres estão abortando. Muita gente esquece (ou tentam nos fazer esquecer)
que o problema não é a inexistência de clínicas legais especializadas em
aborto, mas sim o próprio fato de essas mulheres estarem buscando o aborto fora
dos casos já aceitos pela lei brasileira.
Logo, o que os
ativistas favoráveis ao aborto desejam é a descriminalização
plena do aborto, que poderá ser feito mediante qualquer motivo banal que
vier à cabeça da mãe, coisa que nossa presidenta já era favorável bem antes de
ser presidenta[1],
em nome da liberdade de escolha da mulher sobre seu próprio corpo. Ocorre que esses
ativistas não lembram que as mulheres já possuem essa mesma liberdade de
escolha antes de ter as relações sexuais irresponsáveis que provocaram a
gravidez indesejada. Afinal, não é preciso ser um gênio para saber que é bem
mais fácil e sensato dizer não agora (ou usar métodos contraceptivos) do que realizar
um aborto posteriormente.
A liberdade
sexual como direito parece estar acima dos deveres e responsabilidades que as
pessoas deveriam ter sobre o próprio corpo. A luta agora é pela
institucionalização da imoralidade, pela liberdade individual irresponsável e
sem culpa. Além disso, outros países mais desenvolvidos, como o Canadá, já
descriminalizaram o aborto e isso deve ser bom, como acreditam alguns, como se
o desenvolvimento do Canadá decorresse dessas políticas ou como se os valores
alheios se justificassem pela riqueza de quem os possui. É bom ter cuidado. Sempre
considerei a cautela uma virtude.
Na mídia,
fazer sexo se tornou uma façanha a se orgulhar ou uma espécie de libertação em
torno da qual tudo gira. Não fazer sexo se transformou em motivo para a
tristeza. Em meados da década de 90, a porção mais influente da mídia
brasileira começou a tratar a questão da sexualidade dos jovens e adolescentes
no intuito de desmistificar (leia-se ridicularizar) a virgindade e destruir
normas relacionadas à castidade e à valorização do corpo feminino, que ainda
eram fortes em vários setores da sociedade brasileira, naturalmente
conservadora.
Lembro-me que,
na época, a telenovela Malhação seguia
essa mesma linha e não tinha vergonha de explorar a imagem dos corpos dos jovens
tanto nas aberturas como durante o enredo da novela. A apresentadora e cantora
Xuxa também deu sua contribuição. Uma de suas músicas dizia: “Libera o corpo
pra poder sentir. Os desejos, as vontades, o que pedir (libera). Canta mais
alto, mostra tua voz. O que importa o que os outros vão pensar de nós. Libera
geral, libera geral, libera geral (então libera)”[2].
Os adolescentes eram o alvo. Por algum motivo misterioso, a televisão e algumas
revistas direcionadas para esse público diziam que eles podiam fazer sexo antes
do casamento, como se isso fosse de alguma forma essencial para o crescimento deles.
Liberar geral é mais exemplar do que estudar matemática.
O fato é que não
duvido que essa vanglorização do sexo sem compromisso na mídia, entre
adolescentes e adultos, tenha contribuído para o aumento de quase 60% no número
de mães solteiras no Brasil em 10 anos, conforme o censo do IBGE 2010. No fim
das contas quem paga o pato por ideologias liberais no campo sexual sempre é a
mulher, até quando ela acha que vai se dar bem.
Será que os
efeitos da revolução/liberação sexual nos EUA nas décadas de 1960 e 1970 só começaram
a chegar por aqui na virada do século? É provável. O fato é que a redução da apologia
ao sexo na mídia já seria uma grande contribuição na redução do número de gravidezes
indesejadas, as quais são a verdadeira causa dos abortos induzidos e,
consequentemente, da busca por clínicas clandestinas. É claro que a mídia não
possui total responsabilização, mas as pessoas de fácil manipulação, que
engolem tudo o que ela dita, sim. O retorno de normas relacionadas à castidade
e à valorização da mulher é uma solução moralmente mais viável e eficaz (não a única),
mas nunca veremos a grande mídia fazendo uma campanha nesse sentido; muito pelo
contrário, como podemos ver no sucesso de músicas e danças que pregam a promiscuidade,
entre outros anti-valores. O autocontrole que se dane. O negócio é ser “vida loka”.
Já a respeito
da legalização das drogas, a crença na cartilha da liberação geral encontra
problemas. Por exemplo, enquanto uma miríade de empolgados, viciados e/ou
intelectuais aplaudia a legalização da maconha no Uruguai, o próprio presidente
Mujica, tomando chimarrão, admitiu que não sabia ao certo o que estava fazendo.
“É um experimento sociopolítico frente a um problema tão grave como é o narcotráfico.”,
disse[3].
O certo é que uma boa parte dos uruguaios não está gostando de ser cobaia desse
experimento. Afinal, os efeitos nocivos de qualquer droga para uma sociedade
são inquestionáveis[4].
Um dia desses, eu tive um debate pela Internet com um ativista que defendia a liberação
da maconha se utilizando de uma analogia com as frituras: “Mesmo se a maconha for
prejudicial à saúde, o governo não deveria impedir as pessoas de usá-la. Afinal,
fritura faz mal e nem por isso o governo proíbe a pessoas de comer fritura”. Perguntei
a ele se algum dia ele tinha ouvido falar de alguém que roubou os objetos de
valor da casa dos pais ou cometeu crimes para aplacar o vício em fritura. Para
não falar mais absurdos, ele não respondeu.
Diferentemente
do que alegam os defensores da supremacia da liberdade individual, nunca o
prejudicado é apenas o usuário. Bandidos se drogam no intuito de cometer
assaltos e homicídios; pessoas morrem em decorrência de motoristas embriagados;
famílias veem seus filhos se degenerando em todos os sentidos, muitos dos quais
passando a cometer crimes apenas para manter o vício. Sobre esse último
exemplo, é bastante sabido, ainda que muitas vezes esquecido, o fato de que o
consumo de drogas não só alimenta organizações criminosas, como também
transforma os usuários nos próprios criminosos, como relata a socióloga Alba
Zaluar: “(...) a separação entre traficante e usuário, sombreada pelas leis
pouco claras, torna-se tanto mais difícil quanto mais obcecada pela droga a
pessoa é. Hoje, é fato aceito que a necessidade de pagar ao traficante leva o
usuário a roubar, assaltar e algumas vezes a escalar o seu envolvimento no
crime”.
Não duvido que ele cometeria os mesmos crimes para pagar a uma eventual farmácia
autorizada pelo governo a vender maconha.
Porque existe
tanta gente que tem fé numa política de legalização que pode incentivar o
agravamento da situação? Ou eles têm certeza de que essa solução é salvadora e
vai resolver o problema do narcotráfico? Não acredito nessa certeza, mas
acredito que a fé nessa solução pode cegá-los para a possibilidade de consequências
desastrosas. Acredito que qualquer tipo de mudança significativa na legislação
de um país, feita sem cautela, deveria ser acompanhada pela responsabilização a
respeito de eventuais consequências nefastas dessa decisão. Seria uma forma de
proteger uma nação de ideias idiotas que nascem da cabeça de eventuais
porra-loucas ocupantes de cargos no poder, como é o Mujica.
Uma das formas
de combater um câncer é o matando de fome. Sem o dinheiro dos usuários
viciados, o narcotráfico morre. É simples. Deveria existir uma penalidade maior
para quem usa drogas, pois, além disso, todo usuário é um traficante em
potencial. A penalidade deve cair sobre os usuários e ela não deve vim apenas via
jurídica. Todo usuário deve ser visto socialmente como um imbecil manipulado
pelo narcotráfico, mas não elogiado ou ter sua atitude minimizada em várias mensagens
midiáticas de apologia às drogas.
Deveria
existir um controle maior em relação aos valores que os jovens estão recebendo,
um controle exercido por suas famílias e nas escolas. Nesse sentido, o
preconceito que existe a respeito do mundo das drogas deve ser exaltado e
quanto mais ele existir na sociedade, especialmente entre os jovens, melhor,
pois mais longe eles ficarão desse mundo. Quando todo jovem pensar que ser um “velho
careta” é, na verdade, ser adepto do uso de maconha e de outras drogas, saberemos
que estará tudo bem.
[1]
Dilma Rousseff defendeu o aborto generalizado durante uma sabatina da Folha de
S. Paulo em 04/10/2007, um discurso que foi alterado posteriormente em 2010
durante debates poucos dias antes das eleições, provavelmente feito apenas para
ficar bem na opinião pública.
[2]
A música "Libera Geral" foi lançada em 1997.
[3]
Leia a matéria “Os efeitos internacionais do 'experimento' uruguaio com maconha”
publicada em 11/12/2013 no site da BBC Brasil.
[4]
O argumento que se utiliza de eventuais benefícios medicinais da maconha perde a força diante dos infindáveis malefícios que a mesma droga pode trazer para a saúde,
como surtos psicóticos, problemas de memória, problemas de aprendizado,
disfunção sexual e alguns tipos de câncer.